sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Mug Art novo

Mais um par de canecas ilustradas! Dessa vez sem queimaduras no forno :) Essas foram para a Andressa e o Jean.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Mug Art


Caneca encomendada pela Michelle. Ao fundo minhas criaturinhas em isopor. Qualquer hora posto elas por aqui também. A Lílli e o Fábio também ganharam há uns tempos.

sábado, 19 de novembro de 2011

Poema Têxtil

Esse me caiu agorinha, do chuveiro, na cabeça. Provavelmente influenciado por essa leitura.


Poema Têxtil



há que se ver o rio
passar
vão entre os vãos

há que se dar as costas
(curvadas)
aos teares

deixa, em suspensão, a agulha!
mantém, inerte, a linha!
deixa a trama por tramar

que o algodão
inda não colhido
precisa balançar ao vento
uma última vez

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Baffo de cerveja, cachaça e Leminski

 
 
 
Baffo de cerveja, cachaça e Leminski
Delitos e deleites da poesia marginal de Giovani Baffo

Rodrigo Oliveira

Foi na Lapa, Rio de Janeiro, dividindo garrafas de cerveja e cachaças de gengibre que conheci Giovani Baffo. O poeta de rua paulistano é autor de Delitos e Deleites, publicado pela Edições Maloqueiristas. Um livro de trago rápido, para virar de uma só vez. Sirvo aqui uma dose curta, como aperitivo para o leitor.

Delitos e Deleites não é extenso. Nas suas menos de cinquenta páginas de breves poemas, é como um encontro fortuito numa calçada, do qual você se lembra com frequência e logo após o qual é impossível evitar um olhar por sobre o ombro, só para se certificar de que, de fato, aconteceu. Desses encontros, justamente, parecem ser feitos os poemas de Baffo. Duram só o tempo necessário para o poema capturar a poesia. Só o tempo necessário para registrar, feito Polaroid literária, um momento. Uma cena na rua, um drible no campo, um minuto no relógio da Central ou o passar de um camburão.

Baffo têm hálito de Leminski. No esforço da síntese, na quebra das aliterações, nas rimas e trocadilhos. Nos temas tratados leves mas carregados de ironia. Com a sabedoria de rua e a malandragem de poeta, o autor destila uma mistura de crítica social e humor sobre uma observação contundente do cotidiano.

Ousa olhar um outro que por muito passa ignorado, como no poema de abertura "Aos ex-presidiários":

"Mirem-se no exemplo da Lua
que permanece alta e brilhante
mesmo depois de os militares
lhe pisarem a face".

A ode aos ex-detentos revela, em seu lado escuro, a crítica ao status quo. Ao voltar o olhar ao excluído e ao marginalizado, desfere contra o Sistema um olhar enviesado. Não apenas pela valorização dos primeiros, mas também pela associação negativa à presença do segundo ("mesmo depois de os militares / lhe pisarem a face"). Ponto reforçado pelos contrastes da chegada na lua (marco de supremacia, especialmente se relembrarmos o período de fim dos 60, início dos 70) com os ex-presidiários subjugados, e da associação de adjetivos como "alta e brilhante" aos normalmente marginalizados. O olhar retorna, com igual ironia em:

"Quem mora na rua
anda o dia inteiro
de pijama".

e:

"Em casa
de menino de rua
o último a dormir
apaga a lua".

É com humor e leveza lírica que Baffo desnuda uma brutalidade cotidiana e convenientemente despercebida. O tom mantém-se ainda em retratos da periferia (“quantos poemas me deram? / Quantos me tomaram??”) em que “camburões vão às favelas (...) e eles anunciam em outdoors / liberdade é só um carro mais veloz”.

A estética contemporânea bastante leminskiana, aliada à temática que aborda, reforçam a sensação de atualidade da obra de Baffo. É facil imaginar seus textos figurando em menos de cento e quarenta caracteres, é fácil imaginar seus poemas consumidos entre o intervalo de uma aula e outra, é perfeitamente possível que surja entre um copo ou outro numa mesa de um bar qualquer. Numa declamação à luz dum poste na calçada ou sob um guarda-chuva no “menor sarau do mundo” nas ruas de Paraty. Nesse aspecto, a obra de Baffo encontra eco na Catequese Poética do catarinense Lindolf Bell, declamada na saída de fábricas, estampada em camisetas ou penduradas num varal. Ainda que as temáticas sejam destoantes entre os dois autores — até opostas —, alguns aspectos da estética e da visão do fazer poético soam bastante similares.

Os poemas de Delitos e Deleites são acompanhandos dos traços leves da ilustradora Aline Binns, que também assina a capa da edição. A delicadeza do traçado corrobora o tom da obra, flertando com a mesma síntese, em contraste com pontos mais carregados de detalhes. Deixa, por vezes, escapar uma lembrança simplificada e monocromática de algumas texturas de Klimt.

O poeta trata da arte com com a mesma nota, como em “Música” que diz que

“Depois que conhecemos
o jazz...
nada mais faz sustenidos”.

A estética se repete, breve e irônica. Como um drops que poderia ser consumido enquanto se espera um ônibus, mas cujo sabor se mantém. Com o gengibre da cachaça. Mais uma vez, a poesia se faz no não-dito. Feito eco do poema.

Não se restringe aos delitos, a obra de Baffo. Os deleites cotidianos marcam presença em “Carnal”:

“Não há faculdade
de anatomia no mundo
que ensine mais
que o mês de
fevereiro”

e

Amor

com
fusão”

Mais uma vez a intenção oculta, que exige a participação leitor, se faz presente. O jogo de palavras, o trocadilho.

Com alguns dos poemas já citados, deve ficar claro ao leitor o papel preponderante da urbe na obra do autor. É nos grandes centros que reside o material de que são feitos os poemas de Delitos e Deleites. Referências diretas ao Rio de Janeiro e a São Paulo são encontradas facilmente e todo o tom do livro retrata essa estética.

Baffo é, enfim, um autor contemporâneo. Sua poesia, marginal, dialoga com as ruas, flashes de urbanidade com toques de ironia e crítica, sintetizados em versos breves e certeiros. Um grato encontro sob os alvos Arcos da Lapa, que deixa o convite a conhecer essa

“Estátua de barro negro
com hálito de cerveja
usada nos bares da vida
para enfeitas as mesas”.

Fica a sugestão.

E um brinde.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Espresso



Espresso

saudade se mata
afogada
em café

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

certezas

certezas são nuvens
que um sopro
de virar de páginas
desfaz

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Reflexos de Adriana



Reflexos de Adriana

Um aporte sobre a protagonista de Aguardo, de Gregory Haertel
por Rodrigo Oliveira

Quando as águas sobem,
até as montanhas viram ilhas.


Enquanto lia Aguardo as águas do Itajaí-Açú subiam e desciam como se provocadas, pressentindo a evocação de memórias amarelecidas feito um fotograma antigo ou velhas marcas barrentas sobre paredes brancas. Na janela explodiam gordas gotas marcando o tamborilar de cada sílaba. Os vidros embaçados refletindo a turbidez deste primeiro romance de Gregory Haertel.

Para contextualizar o leitor menos familiar com a literatura catarinense, em especial a blumenauense (e, sejamos francos, são a maioria) Aguardo é dividido em 10 capítulos, cada um com nome de um personagem sobre o qual aquele momento da história se debruça. O romance não segue uma linha cronológica fixa. Alguns capítulos levam o leitor a alguns anos no passado, mas todos os personagens e acontecimentos são mais ou menos contemporâneos entre si. Esse entrelaçar de momentos e personagens, a característica de complementação que cada capítulo tem com os demais e a própria temática geral ressaltam uma grande semelhança com o conto Ensaio para Orquestra e Coro de Chuva, presente em Quarteto de cordas para enforcamento, do mesmo autor. A influência de uma obra sobre a outra é marcante.

Aguardo é um novelo tirado da lama, convidando o leitor a lhe desembaraçar os fios. Cada fio puxado revela um personagem e, impregnado nele, um pouco da história dessa provinciana cidade encravada no meio de um vale, cortada por um rio e nomeada segundo o sobrenome de seu fundador. É inevitável, ao ler o romance, ver na obra uma caricatura de Blumenau, cidade catarinense em que vive o autor.

O primeiro fio que desponta desse novelo é Adriana. É neste primeiro capítulo que encontramos a breve apresentação da cidade de Aguardo. A esse primeiro contato, alagada sob as águas de uma enchente que toma as ruas, encontramos nossa protagonista. Encolhida em um canto do apartamento, feito ilha em meio às águas e à chuva que cai sem pausa. Está sozinha. A mãe morrera vítima de tifo; o filho, caído pela janela do apartamento (em uma cena que lembra o prólogo do Anticristo, do cineasta dinamarquês Lars von Trier, ainda que sem a mesma beleza estética ou a mesma poética); pelo pai da criança, abandonada; o próprio pai, nunca teve. Uma ilha em meio a águas barrentas. Talvez essa seja de fato a imagem mais icônica do romance. Às vezes cercados pela água, sempre isolados. Pela água, pela lama — figurada ou não — pela frieza, pela sujeira. Quando as águas sobem, até as montanhas viram ilhas. Também as pessoas.

Essa primeira aparição de Adriana difere, em estrutura e função, da história dos demais personagens (são sete os de maior importância). É essa diferença, e a maneira como foi tratada no decorrer da história, que chamou-me a atenção e despertou-me a escrever esse aporte. Adriana — e todo o capítulo que leva seu nome — servem como cicerones do leitor. Sua história tem o objetivo inicial de nos apresentar a cidade de que trata o livro e alguns breves vislumbres de outros personagens, além de ditar o tom narrativo da obra. Nesse trecho, o texto parece ter um plano mais aberto (para usar uma linguagem cinematográfica) da história. Como se tivéssemos uma câmera de enquandramento amplo, que percorre, panorâmica, várias direções, nos revelando o cenário e o contexto. Os capítulos seguintes, mais centrados nos outros personagens, já lançam mão de planos mais fechados, a narrativa centrada em seus próprios “protagonistas”, ainda que exporádicas inserções de outros personagens ou passagens ainda aconteçam. Mas o texto, após o primeiro capítulo, cerca muito mais seus personagens, expõe-lhes as imperfeições, quase sufocando-os com a proximidade da presença do leitor. Em Adriana é diferente.

Esse estratagema literário teve sua importância para situar o leitor mais rapidamente na obra, para colocar as engrenagens da história em movimento e para evitar interrupções futuras no desenrolar da trama dos personagens que ainda viriam a aparecer. No entanto, reforço: o artifício cobrou seu preço da personagem anfitriã. Adriana, quando comparada com os demais personagens, é vista a uma distância muito maior pelo leitor. Não nos é possível, a altura do primeiro capítulo, uma maior aproximação. Essa própria situação se reflete metaforicamente no próprio texto. A cidade alagada, as pessoas ilhadas em suas casas. A recomendação das autoridades é o uso de cores vibrantes para facilitar a localização pelas equipes de resgate: “pendurar vestimentas de cores fortes no lado de fora da janela para que o resgate nos encontrasse.” (p.18). Adriana, deliberadamente, troca de roupas: “Troco a minha camisa vermelha por uma bege. Dispo o jeans. Coloco uma malha preta do tempo em que eu fazia ginástica. Fecho as cortinas” (p.18). A equipe de resgate se aproxima, ela se esconde. Evita o contato. Com a equipe, com o leitor. No canto da sala do apartamento usa suas memórias para desviar os olhos desse mesmo leitor para Aguardo. Por hora, ela permanece ilhada. Inacessível mesmo para quem lê sua história.

Essa falta de proximidade é, no entanto, “corrigida”, por assim dizer, mais adiante. Adriana participa em pontas aqui e ali nos capítulos dos demais personagens, permitindo que, bem aos poucos, o leitor vá se aproximando. Adiante começa a ganhar mais profundidade. O próprio sexto capítulo, nomeado Ricardo, parece muito mais uma desculpa para nos aproximarmos de Adriana. Ricardo — o pai do filho morto de Adriana — mesmo em seu capítulo, age mais como um “escada” para a atuação da anfitriã da história, do que como o protagonista de seu capítulo. A metáfora do isolamento-aproximação se repete. Aqui o leitor se aproxima mais enfaticamente de Adriana, o que se reflete nos elementos usados na construção do texto. No lugar da camisa bege e da malha preta que a ocultavam, encontramos a personagem trajando apenas um roupão semiaberto, deixando perceber parte de sua nudez. Não há sensualidade na cena, no entanto. Esse vislumbre de nudez reflete muito mais uma falta de proteção. Adriana permanece “Estática, perpendicular ao local onde a massa de Matias estivera [o filho], (...)” (p.112). É a falta que revela a personagem. Que faz com que ela não tenha mais como se ocultar do leitor.

O mesmo recurso de aproximação e aprofundamento na personagem se repete no último capítulo, com ainda mais ênfase. Tornando o contato do leitor com a personagem anfitriã finalmente mais intenso do que com os demais personagens. O leitor se aproxima definitivamente de Adriana. Sufoca-lhe com sua presença. Sente-lhe os odores. Pressionada, ela se revela e se despe como nenhum personagem o fez. Expõe-se e se entrega. Ao leitor e a si mesma.

Todo o último capítulo, nomeado “Matias” é mais um artifício para recolocar o foco sobre Adriana. Agora literal e figuradamente nua, coberta apenas pela lama, pelo mau cheiro, pela falta. Coberta apenas e, afinal, pela presença do leitor. Não há camisa bege, malha negra ou roupão semiaberto. Há apenas a exposição, a falta (de tudo) e o “cheiro dos porcos [que] inundava o quarto do mesmo jeito que as águas do rio haviam emporcalhado Aguardo”. (p. 173).

O livro orbita e se desenvolve ao redor da transformação de Adriana. Ao abrirmos Aguardo é ela a primeira personagem com quem nos deparamos. Ao fecharmos o romance é ela a última de quem nos despedimos. Quando a encontramos pela primeira vez, estava no apartamento reclusa, protegida, oculta. Quando deixamos Aguardo é com a imagem de uma Adriana na estrada, exposta e totalmente desprotegida. Sem nada. A transformação se dá não apenas aos olhos do leitor, mas aos da própria personagem. No início do romance, nas primeiras linhas, temos Adriana com os olhos refletidos na água turva. Temos aqui a turbidez da água como reflexo da personagem. Tão marcante quanto o fato de Adriana olhar para baixo. É olhando para baixo que ela vê (e vê-se) apenas turbidez. No último capítulo, Gregory Haertel encerra seu romance com um paralelo da cena de abertura. Temos novamente Adriana vendo a si mesma refletida. Agora no espelho do teto sobre a cama onde se encontra. Está nua. Agora, no lugar da tubidez, seus olhos no espelho refletem uma imagem muito mais nítida. Se agradável ou não, ao menos transparente. Para ver-se, já não olha para baixo. É olhando para si que se enxerga. Ergue os olhos e não vê mais turbinez. Vê-se em sua nudez e desproteção. Vê-se em sua falta. Mas vê-se lavada, vê-se nítida. Vê finalmente a si mesma.

Assim, Aguardo é-nos apresentada por essa protagonista. Que se apresenta distante e da qual o leitor só consegue se aproximar à medida em que ela se despoja de tudo, inclusive da lama que lhe cerca e lhe cobre. Quando não tem mais nada, apenas, se revela. Nesse momento derradeiro, encontramos finalmente nossa protagonista. Deitada numa cama, nua, refletida no espelho do teto de uma espelunca. Expôs-se tanto, que virou duas. Quem sabe agora, enxergando-se de frente e exposta, poderá encontrar-se.

domingo, 31 de julho de 2011

Poema em 10min

Boca de Lobo

ganiu baixinho
enquanto a chuva lhe lambia
....................................os pelos
....................................ralos
lombo marcado:
costelas expostas,
calha pr'água caindo
.....................(cá indo)

escorreu pelas ruas
..................velho vão
sumiu pelo vão dum bueiro

Feito em 10 min em tema sorteado numa oficina recente no Rio de Janeiro.

domingo, 3 de julho de 2011

Sem título (ainda)

seios
teus
sei-os
meus

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Lá vem o velho

Lá vem o velho, puxando carroça. Tem um cachorro, o velho. Ou o cão é que o tem. Pouca diferença faz, tem-os a rua. Disse-me — o velho, não o cão — que deixou a roça, a mulher que pariu o filho de outro, a enxada na terra que não era sua. Trocou a roça pela carroça que veio puxar pela cidade. Lá, ele ia em cima, a carroça puxada à cavalo. Aqui o cavalo ganha carinho da moça bonita de olho azul. Aqui, a carroça ele mesmo tem que puxar. Mas quando a lembrança roça, ele coça, e ela se vai. Como se foi a roça, como se vai o rosto, como irá o resto.

Disse-me — agora o cão, não o velho, com os olhos mais brilhantes que já vi na cara de qualquer um, de quatro ou duas patas — que não deixou nada. Nem saudades. É daqui. Nasceu debaixo d'alguma ponte, ao lado desse rio. Depois daquela curva, atrás daquele morro, sobre algum barranco ainda não levado leito adentro, manchete afora. Dividiu o concreto, a poça d'água, a luz dos faróis com mais um tanto de gente, de bicho, de bichogente. Foi levado para casa uma vez, contou. Cresceu, a menina mimada cansou. Passeio de carro, nunca mais voltou.

Encontrou o velho ganindo, todo molhado em dia de chuva. Adotou o coitadinho. Tão bonitinho! Estava que era só sorriso. Parcos dentes sorridentes entre bambos beiços balouçantes. E contou para ele as histórias das ruas. Onde arranjar um osso, onde encontrar um teto, onde escapar do mundo. Onde farejar um motivo para balançar o rabo. Lá vem o velho, puxando carroça, junto ao cachorro. Lá vai o velho, puxando carroça. Lá vai o cachorro. Aqui fico eu.

O sinal abriu, ninguém se mexeu. Algum animal fechou o cruzamento no fim de tarde. As mãos na buzina uivando pra lua querendo surgir. Carlos Gomes começa a tocar me lembrando de desligar o rádio pelos comandos ao volante. Como cansa esticar o braço até o painel! Além do mais, a mão está ocupada na buzina. A outra, no botão para levantar o vidro escuro coberto de insulfilm para esconder os meus olhos baços do cachorro e do velho que se vão puxando carroça.

*Crônica originalmente publicada no Jornal de Santa Catarina, edição de 26 de maio de 2011.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Constatação

Blumenau está cheia de buracos. Devem ter usado picareta.

Uma vela para Balzac

O século XIX certamente não teria sido o mesmo sem ele. Provavelmente, nem o XXI. Talvez, não fosse por ele, hoje nossas esposas, noivas e namoradas não se reuniriam no sofá ao redor de um pote de brigadeiro acompanhadas de um box de The Sex and the City. Senhores, a culpa por todos aqueles gritinhos, suspiros e risadas desenfreadas em frente à TV pode ser dele. O nome do irresponsável: Honoré de Balzac. Provavelmente mais conhecido por obras como “A Mulher de Trinta Anos” e “As Ilusões Perdidas”, o francês influenciou muito mais do que a possibilidade de séries de TV sobre novaiorquinas balzaquianas (entendeu agora de onde vem a expressão?).

Do compatriota Gustave Flaubert ao nosso brazuca Machado de Assis, muita gente passou por Balzac. O cineasta francês François Truffaut elevou o escritor ao ponto da idolatria juvenil no seu “Os incompreendidos” (Les quatre cents coups, 1959). Lá pelas tantas, no filme, o protagonista, um garoto de doze anos chamado Doinel, cria um altar em que acende uma vela para o autor, dentro de um pequeno apartamento. Resultado de tamanha dedicação: por pouco não põe fogo na casa inteira, é repreendido pelos pais e acaba desencadeando uma série de conflitos com as instituições estabelecidas da época, seja a família, a escola ou a polícia. Mas quem sabe essa seja possivelmente a melhor maneira de homenagear a um autor que incendiou as convenções da sociedade em que viveu, revolucionou a forma como a mulher era retratada e, principalmente, expôs a hipocrisia e a fragilidade moral da Paris de sua época.

Pergunto-me o que diria do nosso Vale que, se não se pretende Paris, então Munique, Berlim. O que escreveria se descobrisse que o nosso enxaimel tem telhado de vidro? Imagino a voracidade com que retrataria a nossa ânsia de não ser o que achamos que um dia já fomos. O volume da produção só seria equiparado à quantidade de antidepressivos saídos das nossas farmácias. Difícil considerar algo diferente nesse nosso Vale em que se consome muito mais Prozac que Balzac.

Amanhã é aniversário do escritor francês. Só não sei se devemos acender uma velinha ou atear fogo a alguma ideia.

* Crônica originalmente publicada no Jornal de Santa Catarina, no dia 19 de maio de 2011.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Troca Troca

Troca Troca

Uma universidade costuma reunir gente de todas as tribos e de vários lugares. Nerds, patricinhas, metaleiros, bichos-grilos, CDFs e toda sorte de pessoas reunidas num templo de conhecimento e reflexão. E, sejamos francos, de festa e azaração. A presença nos barzinhos é tão assídua quanto nas salas de aula. Quando cursei minha graduação conheci um sujeito que me ensinou uma lição importante.

Rapaz novo, vindo de outro município, recém-instalado em Blumenau e maravilhado com as belezas da cidade. Corrijo: o garoto estava muito mais interessado na beleza das garotas da cidade. Estava abobalhado, com aquela cara de lobo de desenho animado, uivando para cada rabo-de-saia que lhe passasse às vistas.

Muito do namorador, caiu na paquera feito cachorro atrás de raposa. Tentou uma, tentou duas, tentou três. Mas chegava final da noite e o galã não tinha saído do zero a zero. Não se conformava. Semana vai, semana vem, e o sujeito não emplacava uma bitoquinha sequer. Estava desesperado, não entendia o que estava acontecendo. Era boa pinta, bom de papo, tinha uma boa grana. Mas não tinha jeito. A popularidade do cidadão continuava caindo. Para minha surpresa, ele bolou uma solução bastante inusitada: resolveu mudar de nome. Ele tinha um nome meio esquisito e jurava que por causa disso não conseguia conquistar as meninas. Pesquisou um pouco e escolheu um que estava bem na moda, vindo lá dos states. Acertou a papelada e, de nome novo, voltou à luta (ou à caça, nesse caso).

Mas não teve jeito. Nada de o cidadão conquistar os corações das garotas. Mesmo com o novo nome, não havia maneira de alguém se interessar por ele. Depois de novos e recorrentes fracassos, chegou à conclusão que o motivo de sua falta de sorte só poderiam ser os amigos. Tentamos alertá-lo. Quem sabe devesse mudar de atitude, achar um novo discurso, mudar realmente. Mas não, ele insistia em manter o mesmo discurso e as mesmas atitudes. Estava determinado. Trocaria a nossa companhia para se unir a outros amigos. E, por via das dúvidas, iria mudar de nome mais uma vez, afinal, o atual já não estava dando muito certo mesmo.

Com o rompimento, não sei que fim levou esse colega, mas uma lição ele me deixou. Se você não mudar o discurso e, principalmente a atitude, de nada vai adiantar mudar de nome ou se unir a esses ou àqueles amigos na esperança de que as pessoas se sintam atraídas por você. Pensando nisso, bem que alguns dos nossos estimados representantes também poderiam levar um papo com esse meu colega.

* Crônica originalmente publicada no Jornal de Santa Catarina, edição de 12 de maio de 2011.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Tornatore à Blumenau

Tornatore à Blumenau

O título desta crônica não faz referência a nenhum prato da Festitalia. Aqueles que lembraram do autor do clássico de 1988 devem lembrar da magia dos primeiros contatos com a sétima arte. Lembro de ter entrado meio desconfiado no interior daquele prédio antigo, entranhas de um ventre escuro repleto por filas intermináveis de cadeiras. A inclinação do piso não era tão acentuada como a das salas modernas. O som provavelmente não guardava tanta fidelidade mas isso me escapa à memória. Dos sons daquela tarde na escuridão, o mais marcante seria o da repetição constante do passar do filme pelo projetor. Sentado em uma das fileiras mais ao fundo, vi aquele som parir um facho de luz contra uma tela que se iluminou. Hoje trago mais próxima as imagens da sala, do prédio, da experiência, do que a do próprio filme a que fui assistir, do qual não lembro sequer o nome. Mas lembro do clímax daquela experiência. Lembro de, após ter sido absorvido por aquele pavilhão escuro, caminhar por um corredor pouco iluminado, com uma leve inclinação sempre descendo, descendo, descendo. Até paradoxalmente emergir à luz de uma tarde clara e iluminada sobre a calçada de uma Alameda Rio Branco sem os pavers dos dias de hoje. Aquilo foi mágico, de alguma forma. À minha frente, um prédio enxaimel de esquina e, atrás de mim, as portas abertas e as paredes altas e escuras do Cine Busch. Aquele dia volta e meia torna-me à memória. Vejo quase diariamente aquelas mesmas paredes escuras que, ainda que não possam me transportar para o seu interior e me envolver na escuridão, ainda evocam aquelas lembranças de luz e magia. O meu Cinema Paradiso particular.

Hoje recordo e relato essa história para celebrar o fim de um hiato que há muito já se estendeu. Há mais de dois meses lembro de ter lido, aqui mesmo neste espaço, uma sentença auspiciosa: “Tenho certeza de que os dois meses de jejum não serão esquecidos com facilidade”. Naquele tempo, bem antes das férias de que agora desfruta, o titular dessa coluna questionava o vazio deixado pelas reformas das salas de cinema em Blumenau. Um pouco além das oito semanas previstas, o jejum parece finalmente ter chegado ao fim. Amanhã serão abertas ao público as novas salas de projeção de Blumenau. Com o retorno das salas escuras, a paixão pelo cinema parece readquirir fôlego entre as montanhas do Vale. A cicatriz, no entanto, ainda coça. Será que os olhos do Vale se voltaram às telas ausentes a ponto de evitar um novo hiato? Ou de perceber a importância daquilo que nos foi inacessível pelo bimestre passado? Pergunto-me se o augúrio de Tenfen se confirmará.

* Esse texto foi originalmente publicado no Jornal de Santa Catarina, do dia 05 de maio de 2011.
** Maicon Tenfen, cronista titular da coluna, está curtindo as merecidas férias. Fui convidado pelo jornal para, durante esse período, escrever as crônicas das quintas-feiras. Quatro outros escritores assumirão os demais dias da semana. Ao fim do período de férias Tenfen reassumirá a coluna. Ao passo que as novas crônicas forem ao ar, vejo se posto os textos aqui, posteriormente à publicação.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Bee bee!

Ilustrinha pras meninas motorizadas.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

A Sonoridade do Olhar

A Sonoridade do Olhar
Vislumbres de Esculpir a Luz - o olho e outros exílios - de m.r. mello.
por Rodrigo Oliveira


“poema nenhum, jamais, nasceu
de parto normal”
— m.r.mello in Esculpir a Luz


A luz esculpida pelo som. O reverberar do fonema, que rasga o olho como uma lâmina d’Um Cão Andaluz. Que ao mesmo tempo em que cega, vara e abre o olho. Rasga o véu e liberta o olhar. Estar cego é ter o olhar liberto. “Estar cego é estar grávido de luz”.

Esculpir a Luz, de m.r. mello detém-se sobre esse novo olhar. Ou sobre as possibilidades de novos olhares, às vezes despercebidos, como uma nota que vibra sutil, prenúncio da orquestra. Entre esses dois tons, esses dois prismas — da luz e do som, do olhar e do ouvir — descortina-se o livro de estreia do poeta curitibano.

O texto contemporâneo encerra-se, enquanto objeto, sob um discurso anacrônico. Em dias de e-book readers, tablet pcs e indústria cultural, a obra apresenta-se artesanal. As pontas dos dedos podem percorrer a capa dura recoberta pelo tecido negro serigrafado, as páginas de gramatura generosa, os acabamentos impecáveis montados manualmente, volume a volume, pela Editora Cozinha Experimental (um vídeo do processo de montagem artesanal pode ser visto aqui).

O prefácio de Mayla Goerisch, ilustradora da obra, adverte: os poemas de m.r. mello devem-se “ler, ler em voz alta”. Mais uma vez o leitor é alertado à sonoridade de Esculpir a Luz. Viremos a página e passemos ao índice. O mero vislumbrar dos nomes dos poemas lembra o descerrar de cortinas que revela a orquestra perfilada: “Chorar de rir e vice-versos para trompa e oboé”, “Rapsódia da nostalgia”, “Pianíssimo”, “Batuque indigesto sobre a nova engenharia dos versos”, para não citar outros. É a batuta do maestro ordenando um último instante de silêncio, seguido pela entrada dos primeiros instrumentos. A sinfonia começa com “Allegro tropíssimo para violoncelo, bandolim e cuíca”:

“o poeta desentoca
um violoncelo
e encontra (nas brumas do escuro-incurável-pensamento
a cura
a palavra a rima
o poema”
(p.11)

As notas aos poucos se sobrepõe, envolvendo o leitor com uma suave melodia ditada pelos fonemas cuidadosamente aliterados, pelo ritmo. O leitor se queda

“(como se uma fruta aberta em suas mãos caísse
como se comesse a primeira romã
(cada doce-rosácea semente
outra doce-rosácea
melodia”
(p.11)

E como melodia, Esculpir a Luz é envolvente. Tocante com notas de nostalgia aqui e ali. Mas tocante, acima de tudo, por ser humano.

“nenhuma tragédia é mais
ou menos humana
humanas
são todas as tragédias”
(p.17)

Em “Rapsódia da Nostalgia” esse sentimento talvez se torne mais abrangente, com uma mistura de saudosismos compartilhados e não vividos, que relembra uma juventude fugida e um crepúsculo irremediável. Recorda que “adolescência / é língua tropeçando em língua”, “e a vida um lençol de tulipas / sons e silêncios colhidos sem pressa”. “Um ócio que desossa a alma” (p. 23-24) Em contraste, augúrio de que

“então, será, já não seremos
fruto nem sumo
nem o atletismo da natureza
ou a batalha do corpo
apenas retalhos de folhas
onde estavam essas palavras
varridas como folhas que acumulam no jardim”
(p. 24)

A mesma nota ressoa em “Auto-imolação do silêncio para vinil”, que resgata madrugadas

“entre trapos e catraias
atracadas
no úmido aroma da farra”
(p.27)

Ao tom nostálgico acrescenta-se o lírico “Apologia prosaica ao lirismo bronco-dilatador”. Intimista, lembra o arco passando leve e baixinho pelas cordas dormentes de um violino:

“o meu amor tem um cheirinho verde de grama molhada
de chuva em fim de tarde na chacrinha
dos anarquistas
meio meus parentes (...)
tem cheiro de risada de criança pequena,
lembra, assim, o aroma do carinho
que eu sinto pelo meu tio lá de lonjão”
(p.43)

O poema percorre aromas vários de “coisas muitas / que eu ainda nem cheirei, o amanhã, quem sabe”. Como que reforçando a ótica de novos e inesperados olhares, quase convocando o olfato à obra, para se somar ao tato da capa em tecido e à audição constantemente provocada pelo cantarolar das sílabas de mello.

Fazendo eco às memórias e à sensibilidade, vale nota também “Estudo memorialírico para relicário pagão”, que lembra que “os velhos possuem segredos atrás das dentaduras” e convidam a enfiar a morte numa gaveta.

Em “Pianíssimo”, talvez, a proposta temática do livro se apresente de forma mais evidente:

“Estar cego é reinaugurar
nas coisas
o silêncio exato da imagem
e furtar
no interior do belo
o borbulhar da essência”
(p.47)

O metapoético “Trabalho de parto” mais uma vez retoma a força oral de Esculpir a Luz:

“parto como
quem planta
de fora pra dentro
da fúria
disforme
do fogo
que (fátuo) afia
a faca que fura
dura feito falo
a flor da palavra”
(p.65)

Esclarece: “porque poema nenhum, jamais, nasceu / de parto normal” e continua:

“e assim, no cesariano contato
com cada sanguínea palavra
vejo misturar-se ao ritmo
primal algumas vísceras
do verbo entre átrios
e artérias (...)”
(p.66)

e encerra: “e o poema oscila, excitado / como as ondas de um eletrocardiograma” (p.67).

"Trabalho de Parto" ressalta ainda outra característica do texto de m.r.mello (assim mesmo, sempre em minúsculas, à e.e. cummings). Com aparições especialmente marcantes nesse poema, mas com incisões aqui e ali por toda a obra, encontramos termos que seriam mais esperados em relatórios médicos do que em poemas:

"parto como
quem expulsa a dor
com o fórceps da
v a g i n a"
(p.65-66)

ou

"no percurso quase prosaico
do trígono fibroso
ao septo ventricular (...)"
(p.66-67)

Excertos como esses, "em que o cárdio esparge ideias pela carótida" (p.67) parecem ecoar os versos de Augusto dos Anjos. Os termos científicos que povoam os poemas de EU, do autor de Versos Íntimos, provocam certa tensão em uma leitura cheia de contrastes entre forma e conteúdo. Ainda que os poemas de m.r. mello não se atenham à métrica clássica como os de dos Anjos, Esculpir a Luz aponta experiência similar. Experiência enriquecida pelo inserir dos vocábulos científicos tanto em imagens tétricas como líricas.

O olhar sobre o fazer poético retorna em “Breve discurso em defesa da indecência”, que dialoga com o pop e o erudito, com o poema e a poesia. “Um poema”, lemos, “no mais das vezes / não vale nada”. E lembramos que as rimas (“oh, Camões!”) podem ser ricas, senão nas penas, então nas picas, “na cadência bonita da / foda”.

m.r. mello alterna constante do complexo e do erudito (do técnico, até), ao ordinário e ao vulgar. Do lírico ao prosaico, esculpindo o som e, mais do que ele, a vibração. Explorando a forma do fonema e a tessitura do poema. Testando o retinir de cada fio da trama poética como se fosse uma teia. Uma teia tecida em cordas de violino.

* O texto acima foi originalmente publicado no Sarau Eletrônico.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Selenita na Furb TV


Tá até o Félix atualizou o blog dele. Sinal que era hora de mexer nas coisas por aqui.

Em breve posto mais um texto, mas por hora deixo a entrevista cedida a Viegas Fernandes da Costa, editor do Sarau Eletrônico, no programa Dica de Literatura da FURB TV.

Para quem quiser ver minha cara de assustado, suado de chegar em cima da hora ou só curtir uma vergonha alheia, é só acessar o vídeo aqui ou clicar na imagem ali em cima.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Lílli's Mug


A Lílli Souza fez umas fotos da hora da caneca que eu dei pra ela no Natal.

A caneca foi ilustrada com caneta para porcelana, com direito a algumas queimaduras na hora de pôr no forno e dos retoques finais ainda quente. Mas no fim deu tudo certo. E as fotos deixaram ela mais maneira. Tem mais uma porção bacana no Flickr dela, pra quem quiser dar mais uma espiada.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Lançamento Selenita - Fotos


A pedidos, algumas fotos do lançamento de Selenita, que ocorreu em dezembro do ano passado no Butiquin Wollstein em Blumenau - SC. A um clique na imagem ela amplia.

Algumas fotos não são de fato do dia do lançamento, mas da participação de Selenita no 4º Bazar EstiloArte e do encontro com o poeta curitibano m.r. mello. Mas como é a mesma temática, tá valendo.