Tornatore à Blumenau
O título desta crônica não faz referência a nenhum prato da Festitalia. Aqueles que lembraram do autor do clássico de 1988 devem lembrar da magia dos primeiros contatos com a sétima arte. Lembro de ter entrado meio desconfiado no interior daquele prédio antigo, entranhas de um ventre escuro repleto por filas intermináveis de cadeiras. A inclinação do piso não era tão acentuada como a das salas modernas. O som provavelmente não guardava tanta fidelidade mas isso me escapa à memória. Dos sons daquela tarde na escuridão, o mais marcante seria o da repetição constante do passar do filme pelo projetor. Sentado em uma das fileiras mais ao fundo, vi aquele som parir um facho de luz contra uma tela que se iluminou. Hoje trago mais próxima as imagens da sala, do prédio, da experiência, do que a do próprio filme a que fui assistir, do qual não lembro sequer o nome. Mas lembro do clímax daquela experiência. Lembro de, após ter sido absorvido por aquele pavilhão escuro, caminhar por um corredor pouco iluminado, com uma leve inclinação sempre descendo, descendo, descendo. Até paradoxalmente emergir à luz de uma tarde clara e iluminada sobre a calçada de uma Alameda Rio Branco sem os pavers dos dias de hoje. Aquilo foi mágico, de alguma forma. À minha frente, um prédio enxaimel de esquina e, atrás de mim, as portas abertas e as paredes altas e escuras do Cine Busch. Aquele dia volta e meia torna-me à memória. Vejo quase diariamente aquelas mesmas paredes escuras que, ainda que não possam me transportar para o seu interior e me envolver na escuridão, ainda evocam aquelas lembranças de luz e magia. O meu Cinema Paradiso particular.
Hoje recordo e relato essa história para celebrar o fim de um hiato que há muito já se estendeu. Há mais de dois meses lembro de ter lido, aqui mesmo neste espaço, uma sentença auspiciosa: “Tenho certeza de que os dois meses de jejum não serão esquecidos com facilidade”. Naquele tempo, bem antes das férias de que agora desfruta, o titular dessa coluna questionava o vazio deixado pelas reformas das salas de cinema em Blumenau. Um pouco além das oito semanas previstas, o jejum parece finalmente ter chegado ao fim. Amanhã serão abertas ao público as novas salas de projeção de Blumenau. Com o retorno das salas escuras, a paixão pelo cinema parece readquirir fôlego entre as montanhas do Vale. A cicatriz, no entanto, ainda coça. Será que os olhos do Vale se voltaram às telas ausentes a ponto de evitar um novo hiato? Ou de perceber a importância daquilo que nos foi inacessível pelo bimestre passado? Pergunto-me se o augúrio de Tenfen se confirmará.
* Esse texto foi originalmente publicado no Jornal de Santa Catarina, do dia 05 de maio de 2011.
** Maicon Tenfen, cronista titular da coluna, está curtindo as merecidas férias. Fui convidado pelo jornal para, durante esse período, escrever as crônicas das quintas-feiras. Quatro outros escritores assumirão os demais dias da semana. Ao fim do período de férias Tenfen reassumirá a coluna. Ao passo que as novas crônicas forem ao ar, vejo se posto os textos aqui, posteriormente à publicação.
segunda-feira, 9 de maio de 2011
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Um comentário:
Lembro de ter visto Jurassic Park no Cine Busch, deve ter sido um dos últimos filmes a passar lá...
Como eu não vou muito no cimena, poderia nem ter percebido essa hiato se morasse aí. Mas agora tou curioso para conhecer as novas salas.
E o teu blog tá super movimentado! Quatro posts em um mês? Praticamente um Duelo de Escritores!
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