domingo, 30 de maio de 2021

O poema perdido

A caminho de casa, perdi um poema.
Culpa, não ponha na moça de pernas bonitas,
que é toda ela um poema.
Tampouco no velho olhando pra cima, cigarro na mão,
que procurava, ele também, nos galhos da árvore,
um poema maduro a colher.

Onde foi — onde foi — que deixei cair o poema?

Olho na boca-de-lobo pra ver se um verso não se foi na sarjeta.
Tento lembrar se não foi a buzina que me estilhaçou as estrofes.
Se não se perdeu no emaranhado de fios no topo do poste
que enfeia esse céu onde despontam as estrelas primeiras.

Como fui — como fui — perder um poema?

Se há tanto não me cruza um!

Poema, esses dias, põe-se raro.
Diz, quem entende, que é a perda do habitat.
A gente entra com máquina, trabalho e barulho.
Estafa, trabalho e entulho.
E logo o poema já não tem onde viver.

Mas eu vi — eu vi — um poema.

Aonde foi, por onde se meteu, como se perdeu,
não sei.

Agora passo os dias, repasso os passos,
e torço para que em alguma esquina lhe calhe de novo aparecer.
Para que eu tenha ao menos
a chance de lhe dizer
adeus.