quarta-feira, 8 de abril de 2015

Luna



Luna

À hora mais tardia, quando a luz amarelenta dos postes já não se derrama sobre nada exceto o asfalto molhado, um cão hirsuto vem beber a água que se acumula nos buracos deixados expostos pela administração municipal. Metros acima, da sacada insone dum apartamento suspenso entre ressonares vizinhos, alguém conta os pingos que mergulham na tigela de asfalto lá embaixo, enquanto apaga uma lembrança entre a ponta do cigarro e a pedra do parapeito da sacada.

Caso o cão elevasse o olhar, não veria mais que um último e diminuto ponto vermelho ser engolido pela escuridão contra o céu sem estrelas. Mas vista da sacada, a noite nunca é de fato capaz de envolver por completo a cidade, que insiste com seu amarelo-triste em manter-se acordada à rebite, à trago, à pó. À beijo não dado, à palavra não dita.

Quantas sacadas se penduram na noite? Quantos cães de cabelos nodosos vagam de poça em poça sob a chuva à procura de água?

Quantas noites são necessárias para engolir uma cidade? Quantas noites são necessárias para engolir o que se entala na garganta e sufoca mais que a fumaça tragada de um toco de cigarro?

O cão se vai. Um piparote atira longe o cigarro consumido até o filtro. De algum lugar a cidade uiva de saudade da lua, sem lembrar que os próprios luminosos é que afugentaram os astros.

A noite, esquece-se, não se pode comprar.