segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Meus dias a bordo do Cirella - Parte VIII

Era como se o dia seguinte não houvesse chegado. A tempestade continuava e o sol não conseguia se mostrar entre as nuvens. No entanto, próximo ao meio dia, uma movimentação no cais nos chamou a atenção. Junto a alguns de meus companheiros segui os homens que corriam pelo porto e fomos surpreendidos pela imagem alquebrada do Pope Arug que chegava. O mar bravio e o estado lastimável do cais dificultavam a atracação. Aguardamos alguns minutos até que as amarras estivessem seguras e o barco bem preso, possibilitando o desembarque. Era surpreendente como depois de tantos golpes o navio conseguira retornar sozinho em tão pouco tempo. Logo fomos à procura de Fernão, mas os marujos não sabiam nada ao seu respeito. Bogus interpelou o capitão Arug e Frei Renalier o cirurgião da embarcação, mas nenhum deles sabia de nosso companheiro. Parecia que eles não haviam visto o que acontecera com Fernão e nós não poderíamos partir em uma operação de busca até que o mar estivesse menos revolto, pois teríamos que ir em barcos bem menores, uma vez que o Cirella não se encontrava em condições de navegar, tampouco o Pope Arug. A tempestade passou quando o crepúsculo já cobria o cais e não poderíamos nos fazer ao mar com barcos tão frágeis durante a noite. Era mais uma noite que Fernão passaria, na melhor das hipóteses, sozinho na ilha sem mantimentos.

Na manhã posterior, antes da aurora iluminar o dia, já estávamos todos a postos para partir em um pequeno barco pesqueiro. Nossa tripulação era composta de dois pescadores, que nos levariam até lá; eu, que havia marcado o ponto exato da queda e determinado as áreas de busca; Bogus e mais dois marinheiros, além de Frei Renalier, armado pelos seus instrumentos médicos e medicamentos. Chegamos ao local de nosso choque com o Pope Arug. Na esperança de que Fernão tivesse conseguido chegar à ilha, descemos um bote e remamos até os bancos de areia que fechavam a entrada do canal. As buscas felizmente não demoraram, e logo achamos nosso companheiro. Encontrava-se em uma situação lastimável, abatido, de olhos vidrados olhando fixo para o horizonte. Nem percebeu quando nos aproximamos. Estava sentado na areia, os joelhos recolhidos junto ao peito e abraçado em uma tábua de madeira, provavelmente um destroço do acidente. Quando chegamos não respondia a nossas vozes, parecia alheio a tudo. Só com algumas sacudidas conseguimos sua atenção, mas devido ao estado de choque, não conseguimos mais do que fazê-lo retornar conosco ao barco. Não dizia uma palavra e mal parecia nos reconhecer. Levamos Fernão até o pesqueiro e o envolvemos com um cobertor enquanto Frei Renalier examinava nosso amigo. Voltamos ao cais com a ajuda dos pescadores e com a culpa nos pesando sobre os ombros.

Fernão ainda ficou dois dias de cama e quando não estava dormindo ficava parado com os olhos abertos fitando o teto. Mal respondia a nossas perguntas, balbuciando apenas algumas palavras que frequentemente soavam desconexas ou frases inacabadas. O capitão Tino Sadiano passou uma vez para ver como estava seu marujo e para perguntar ao Frei Renalier quando ele poderia retornar a navegar. O frei respondeu que em mais dois dias poderia sair da cama, mas não poderia responder quando ele poderia voltar ao trabalho, o que chateou nosso capitão. Como se não bastasse, o prêmio da aposta que nos colocara naquela situação não estava em nossas mãos, como esperava Sadiano. Arug se recusava a ceder o mapa, acusando o Cirella de trapaça. A aposta dizia contornar a ilha e não cortar caminho por dentro dela. Por mais que pudéssemos tentar contestar essa afirmação, não seria possível contestar a de jogáramos nossa embarcação contra o Pope Arug, afinal nosso concorrente ainda tinha o casco adornado por uma de nossas carrancas que lá se cravara. Aqueles que foram chamados para presidir um júri concordaram em unanimidade que o Cirella havia trapaceado e que o vencedor seria o Capitão Arug (creio que vários destes votos se deram pela inimizade criada por nosso capitão, pela soberba com que tratara seu barco, pelo descaso com nosso companheiro e pela arrogância que demonstrara na noite da aposta). Ainda que a muito contragosto, Tino Sadiano entregou ao Capitão Arug o mapa e nós perdemos definitivamente nosso novo mercado. Ele agora pertencia ao Pope Arug.

Ficamos naquela ilha por dois dias a mais do que o necessário para a recuperação de Fernão, pois nossa nau precisava de uma recuperação também. Depois de quase uma semana de reparos, conseguimos deixar o Cirella em condições mínimas de regressar ao continente. Embarcamos todos no deplorável Cirella e iniciamos nossa viagem de volta ao lar. O barco navegava manco pelas ondas e a viajem demorou muito mais do que gostaríamos. Fernão passava seus dias em sua cabine sem falar com ninguém, os homens estavam mudos e o ar pesado. Muitos estavam decididos a não embarcar novamente ao Cirella uma vez que aportássemos. O capitão percebera o clima hostil que se criara entre ele e seus homens e temendo piorar a situação a ponto de ser amotinado, ficou recluso em sua cabine com Rastani. Só o bater de asas apressado de Áspero percorria o convés de um lado para o outro. Depois de cerca de dezoito meses no mar, regressamos ao nosso porto de partida. Fatigados, alquebrados e com um futuro incerto pela frente.

Um comentário:

Rodrigo Oliveira disse...

Eu prometo que um dia eu termino com isso, mas por hora, sem tempo para fazer quase nada, está um pouco difícil. Por hora, vão ficando com isso. Ainda tem um pouco pela frente...