sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Meus dias a bordo do Cirella - Parte III

Em resumo, naquela entrevista, o capitão Tino me disse que já conhecera um pouco do meu trabalho nas embarcações menores na qual eu trabalhara e que eu havia sido muito bem recomendado pelo seu ex-contramestre. Relatou-me os feitos do Cirella sob sua tutela e me fez uma descrição pormenorizada das qualidades da embarcação. Destacou o valor da equipe sob seu comando e seus próprios méritos em unir tais homens. Por fim me levou a cada canto de seu navio me apresentando cada detalhe, cada câmara e seu funcionamento. Deixei o convés sob uma lua alta refletida nas águas e, após me despedir do capitão Tino Sadiano, caminhei pelo cais por algum tempo rememorando o que vira a bordo do Cirella e os rumos que iam tomando minha vida nas rotas mascates. Os dias se passaram e meu contato com o Cirella e seus tripulantes se mantiveram um pouco mais próximos a partir daquela visita. Cruzava com marujos e, volta e meia, com o próprio capitão em tavernas ou no próprio cais enquanto acompanhava o carregamento de especiarias para as viagens. Cerca de um ano se passou e esta rotina se manteve mais ou menos inalterada. Neste ínterim, me mantive a par das notícias das viagens do Cirella e, tendo amigos que trabalhavam no navio, não me foi custoso acompanhar o desenvolvimento dos negócios do capitão Tino. Mas foi apenas no sexto mês do ano seguinte que eu deixaria definitivamente o barco no qual eu trabalhara até então e iria me juntar à tripulação do Cirella. As conversas e negociações não duraram mais do que uma semana e logo eu estava contratado. Na época, ficara acertado que eu acompanharia a embarcação na condição de cartógrafo em uma viagem a um pequeno arquipélago onde seriam comprados grãos e óleo. Nesta experiência, que deveria durar não mais de um mês, eu seria avaliado. Caso o capitão se arrependesse de minha contratação ou algum atrito impedisse minha continuidade no Cirella, eu retornaria, por minha própria conta, em uma embarcação menor que conseguiria em uma das ilhas. Porém, caso minhas habilidades se mostrassem úteis durante esta viagem e minha adaptação a estas novas rotas fosse satisfatória, eu seguiria sob as ordens do capitão e junto à tripulação para o oriente, onde a carga seria vendida por valores mais rentáveis e eu passaria então a fazer parte definitivamente da tripulação, como cartógrafo e navegador. Meus ganhos ficaram acertados um pouco acima do eu ganhava nas rotas mascates, mas o que realmente me impulsionava era o mar. Lançar velas em novas rotas, embalado por novos ventos e conhecer novos portos. Naquele momento, o horizonte me pareceu mais tangível. E eu iria ao seu encontro.

No dia do embarque fui novamente apresentado à embarcação, que já mostrava algumas melhorias e benfeitorias desde que eu a vira pela última vez. Fui também oficialmente apresentado à tripulação, que de modo geral me recebeu muito bem, até porque dentre os homens, alguns eu já conhecia e de outros já me tornara amigo em tempos passados. Dois dias depois, com o Cirella já preparado e com ventos favoráveis zarpamos e deixamos o cais. Com as grandes velas enfunadas a embarcação logo atingiu uma velocidade que dificilmente se manteria por muito tempo nos barcos menores nos quais eu trabalhara anteriormente. A nau vencia as ondas com rapidez e logo adentraríamos águas até então novas para mim. O sol se fazia alto, mas com o vento do oceano a temperatura era realmente agradável. Como me era prazerosa a sensação! O cheiro salgado do mar, o manto verde se estendendo até o horizonte, o sol brilhando em um céu sem nuvens. O mar. Ao qual me lançara tantas vezes e ao qual sempre soube que sempre retornaria. No alto do mastro principal, acima das velas, o estandarte do Cirella tremulava ao vento. A bandeira trazia um grande escudo cinza sobre o fundo azul escuro. E sobre este escudo, no mesmo tom azul da bandeira, a imagem de uma ave majestosa balançava ao vento, com a enorme cauda de longas penas, o longo e delgado pescoço e a cabeça encimada por um pequeno penacho. E assim o Cirella seguia. Com o céu limpo, ventos a favor e mar calmo, eu não tinha muitos problemas em traçar as melhores rotas nem em determinar nossa localização. Aos poucos eu ia conhecendo melhor meus companheiros de navio, enquanto atingíamos águas ainda não exploradas por mim.

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