Era a segunda vez que ela entrava por aquela porta. No grande candelabro que pendia do teto, as luzes despertaram iluminando a sala. Emanuella pôde rever o lugar onde tudo começara. Os quadros na parede, o piso claro contrastando com os sofás negros estampados onde ela estivera sentada da última vez. Leonardo fechou a porta fazendo-lhe sinal para entrar. Ela sentou deixando de lado a bolsa, observando com o canto do olho ele se aproximar e parar na sua frente, de pé. Ela levantou a cabeça aparentemente meio tímida, mas com um sorriso maroto nos lábios, ajeitando o cabelo atrás da orelha. O rapaz a olhava sorridente e, tomando-a pela mão, fez com que levantasse.
— Não quer ficar na sala? Ela perguntou sorrindo nos olhos dele.
— A sala você já conhece, você não queria ver a minha biblioteca?
— Aquela que você disse que ficava na estante ao lado da cama? Falou piscando com malícia.
Ele apenas sorriu e, de mãos dadas com ela, saiu pela porta rumo ao corredor que levava ao interior da casa. Pelo corredor, cruzaram a cozinha e logo depois uma porta fechada. Vendo que o olhar de Emanuella se deteve ali, Leonardo antecipou-se:
— É o porão. Não tem nada demais. Nada que você vá gostar de ver, de qualquer forma. Só coisas sem valor e pouca luz. Ele disse, enquanto passavam por uma escada que levava ao sótão.
— Uh! Um sótão! Sou apaixonada por sótãos. Acho tão legal.
— Mesmo? — ele perguntou — Eu também! Mas agora ele tá um pouco bagunçado. Muita coisa velha. Tenho que tirar um tempo pra fazer uma boa faxina e abrir espaço pra móveis novos.
— Sei... E um dia você me mostra? Ela perguntou com os olhos brilhando.
— Só se você se comportar, Ema. Ele brincou em resposta.
Ela aproximou o rosto dele, desafiante, e perguntou: — E se eu não me comportar, Leon...
Antes que ela terminasse a frase, ele a tomou pela cintura e cingiu-lhe os lábios com um beijo ofegante, intenso. Quando os lábios se afastaram ela aproximou a boca do ouvido do rapaz e sussurrou: — Você não ia me mostrar a sua biblioteca?
Ao atravessar a porta no final do corredor, ela conheceu o quarto. Um armário simples em uma parede; no centro uma grande cama de casal, guarnecida por apenas um criado mudo e, na outra parede, ao lado da cama, uma estante de madeira branca bem acabada, destacando o colorido das capas de livros. Ela aproximou-se devagar da estante, sentindo as mãos de Leonardo tocarem-lhe o vestido sobre os quadris, e seu respirar logo atrás de si, arrepiando-lhe a nuca delicada.
Ela percorreu com o dedo, de cima a baixo, a lombada do Madame Bovary, lembrando das piadas daquele primeiro encontro e sentindo o zíper escorregar-lhe pelas costas, da nuca até a cintura, mimentizando o movimento que fazia no livro. Sentiu na orelha o hálito quente, ouvindo baixinho a respiração de Leonardo, enquanto o vestido escorria-lhe pelo corpo, pousando no chão. A pele arrepiou-se sentindo o homem às suas costas e todos aqueles tantos, na estante, a sua frente. Desvendando-lhe a nudez da lingerie que despencava do corpo indo unir-se ao vestido aos pés da estante. Ela com as mãos passando pelos livros, descobrindo-lhes as capas, enquanto ele, também com as mãos, percorria-lhe o corpo, descobrindo-lhe os segredos. Ela, que estava diante de tantas histórias, sentia-se cada vez mais envolvida pela sua. Sentiu o jeans roçar-lhe a coxa enquanto descia, e sentiu-o passar pelas panturrilhas a caminho dos tornozelos de Leonardo. Pousou as mãos da estante, em suspense, tocando com os dedos o Marquês deslumbrado por seus Crimes de Amor. Passaria ele cento e vinte dias assistindo aquele corpo arrepiado, de seios eriçados nus oferecendo-se a ele. Emanuella sentiu o rijo contato com um arrepio, inclinando os seios de menina quase a tocar o rosto de Nabokov, provocando o russo, entregando-se ao brasileiro. Leonardo lhe cingiu as ancas com as mãos enquanto ela lhe cingiu o falo com o sexo quente. Entregaram-se um ao outro, ritmados, envoltos por tantas histórias; ela sendo possuída por todas. Uma das mãos lançadas atrás, agarrada à coxa do consorte, enquanto a outra já apertava Sade com força crescente, que se deleitava sob as unhas da espanhola. No pescoço, sentia os dentes de Leonardo em contraste com os lábios macios, e o roçar de uma barba de três dias. Do alto, invejoso, Stoker empoleirava-se gótico, qual gárgula sedento. Olhando por sobre o ombro, Emanuella matou a própria sede dos lábios de Leonardo. Lábios nos lábios, línguas nas línguas, sexos nos sexos. Ela pressionada entre o brasileiro e todos aqueles na estante, num ritmo cada vez mais intenso. Os dois ofegantes, provocando todas aquelas histórias com a sua, muito vívida, mais quente, mais úmida. Com mão lançada para trás tocou o abdome do rapaz afastando-o. Apenas espaço e tempo suficientes para virar-se de frente para ele e puxá-lo de volta de encontro aos seus seios. Os corações batendo-se um contra o outro, precisos, velozes. Os sexos, separados, se reencontraram num beijo úmido, as línguas se abraçaram nas bocas quentes. E pernas espanholas envolvendo a cintura que retornava para ela. As mãos dele agarrando lhe as coxas enquanto suspendia o corpo pressionado à estante. Às nádegas ofertadas a um velho safado que se divertia com as crônicas daquele amor louco, enquanto, ao seu lado, três meninas perdidas saiam dos quadros de Moore para acrescentar mais aquela história as suas.
A estante tremia com os amantes, todos num mesmo ritmo. Cada vez mais intenso, cada vez mais acelerado, com um balançar frenético que expeliu os livros. Emanuella com braços e pernas envolvendo Leonardo sentia escorrer os livros ao chão, a estante aliviada, as capas abertas, ouvindo apenas o arfar satisfeito da realização dos amantes. Ela no colo dele, ele envolvido por ela. Ambos cercados por uma história que não caberia em nenhuma estante. Não caberia em nenhum livro. Não caberia naquela noite. Nem em mil e uma outras.