A questão do suporte para a literatura me chama a atenção já há algum tempo. Em outra oportunidade, já tentei uma reflexão acerca do livro como fetiche e nossa relação com o seu aspecto físico, em Bibliogamia. O livro, mesmo literário, de certa forma sempre me foi mais do que texto, ainda que este seja, nesses casos, seu aspecto principal.
Há pouco tempo, tive a oportunidade de escrever a orelha do livro "Pequeno Álbum", do escritor e historiador Viegas Fernandes da Costa. Ao momento da leitura da obra e da redação da orelha, o volume estava no prelo, de modo que tive acesso apenas ao texto. Com excessão de um arquivo prévio em PDF da diagramação, só tive contato com o livro propriamente dito após sua publicação e consequentemente, após ter escrito a orelha.
Depois do texto entregue, retornei às críticas recentes que fiz de outros livros. Um detalhe me chamou a atenção. Espontaneamente, em mais de uma oportunidade, incluí na crítica relatos acerca da capa ou de elementos não verbais da obra. Refletindo sobre "De espantalhos e pedras também se faz um poema", do mesmo autor, não pude evitar deter-me sobre a escolha tipográfica da obra e sobre seu método de impressão em linotipo. De alguma forma, estes elementos me pareceram tão parte do livro, quanto o próprio texto. Detinham, em si, uma própria narrativa que dialogava com o texto verbal que continham suas páginas. Mais tarde, criticando "A Terra estava vazia e vaga", de Werner Neuert, os elementos da capa (chego a citar a capista na resenha!) retornam no final do texto dando sentido, talvez resignificando a obra. Mais uma vez uma interferência — ou complemento — do texto não verbal ao verbal. Em outras oportunidades, como em um artigo sobre "Um Largo, Sete Memórias", de Adolfo Boos Júnior, ou em Poesia Twist, em que critico "Falações", de Marcelo Labes, detive-me apenas ao texto verbal. Igualmente uma decisão espontânea, em que nunca havia parado para pensar até agora. E, diga-se, Falações, com capa de Pedro Dieter sobre obra de Justin Kauffmann, tem acabamento digno de nota, especialmente à luz das publicações não tão bem cuidadas ou não tão profissionais que correm pelo Vale.
Sobre "Pequeno Álbum", livro que conta com, além dos textos de Viegas, ilustrações da artista plástica Daiana Schvartz, detive-me apenas ao texto do autor.
Retomando esse breve histórico e as outras críticas, resenhas ou ensaios que acabei por fazer, ergue-se-me a questão: até onde vai um livro? Pensando a obra como um elemento literário, teríamos, talvez, uma redução ao texto verbal escrito, impresso nas páginas. Pensando o volume como obra de arte, numa visão mais ampla, teríamos necessariamente de considerar seus demais aspectos, capa, fotos, ilustrações...
Lembro quando peguei pela primeira vez o volume I da Divina Comédia, em que Dante nos apresentava seu Inferno. A publicação era ricamente ornamentada pelos traços de Gustave Doré. Os mesmo que eu havia visto, uns anos antes, ilustrando as páginas de Don Quixote. Só a obra de Doré — irretocável — seria o suficiente para garantir a valia de qualquer livro ou qualquer folha de celulose sobre a qual fosse impressa. Nesse caso, o que teríamos ali? Duas obras de arte, texto e ilustração, unidas formando uma terceira?
Obviamente, uma crítica literária tem seu objeto claramente definido. O texto. E em grande parte das obras — na maior, arriscaria eu — o restante do livro, mesmo enquanto obra, é secundário. Em poucos casos, no entanto, o não verbal, complementa a obra. A ressignifica. É, portanto, texto.
Mas estes são devaneios muito provavelmente desnecessários, como cita o título deste colóquio. Talvez, as questões do design e da literatura, não devam mesmo se misturar. Mas talvez, esse pensar ingênuo que apresento sirva ao menos para levantar a questão. E aguçar o olhar ao acabamento, ao suporte, ao design, ao livro como uma obra de arte e de comunicação. Nem que seja para profissionalizar (e valorizar os bons profissionais e artistas) esses aspectos. Ainda que tudo isso seja apenas um desnecessário devaneio, uma capa, um projeto gráfico, é, antes de tudo, comunicação. E comunicação é venda. É lucro. E é isso que move o mercado, não? Mesmo o de livros. Mesmo o de arte.
quarta-feira, 17 de março de 2010
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3 comentários:
rodrigo
mas a própria definição de conto ñ é um texto fragmentado retirado de um contexto maior?
se eu escrevesse 10 contos sobre o mesmo personagem e agrupasse eles em um mesmo livro, eles deixariam de ser contos e virariam capítulos?
acho ser bastante sutil esta diferenciação, ficando + por conta de visão subjetiva mesmo. ou vc já leu algo q fala o contrário? se sim, me passa a dica ae, ;)
1 abraço
agora falo sobre o seu post, q acabei de ler.
já vi mto livro ruim melhorado pelos itens asseessórios. assim como mto livro bom q ñ ficou prejudicado por chamar a atenção apenas ao texto.
oq eu poderia incluir nessa questão levantada por ti, talvez entre o texto do livro e a arte do livro, seria a tradução. ela sim, influencia bem mais q a arte, e pode melhorar ou piorar um original. atualmente tenho comparado todas as traduções para o português das meditações de marco aurélio. e, se lembrarmos do corvo, do poe, traduzido por pessoa e machado, bem como dos livros do paulo coelho q dizem as más línguas são bem melhores escritos em ingles, veremos q a influência é maior q a capa, fonte, tamanho, ilustrações, etc.
isso ñ é pra desmerecer a sua questão, mas só pra dar uma apimentada nela.
+1 abraço
Então Rodrigo, penso que o enfoques que dás neste artigo torna-se pertinente na medida em que discutimos novos suportes para o texto literário. Há quem defenda a sobrevivência do livro (códex) enquanto objeto de arte que carrega a marca pessoal do autor, o que empresta à noção de autoria um novo atributo: o escritor não apenas enquanto autor do texto, mas também aquele que pensa a distribuição deste nas páginas, o tipo de papel que melhor lhe define, a escolha do capista, de um tradutor, de um ilustrador etc.
Parabéns pelo texto e pelas possibilidades que estás trabalhando.
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