domingo, 19 de julho de 2009

A sétima badalada

Olhou para trás. Pouco via além das duas linhas fundas sulcadas na neve que se estendiam até debaixo de suas rodas de madeira. No mais, tudo era branco. À exceção dos troncos escuros dos pinheiros que conseguiam se fazer ver através do nevoeiro.

Um bufar resmungado atraiu-lhe a atenção para ao enorme animal à sua frente, com as patas peludas enfiadas na neve e lufadas nebulosas saindo-lhe das narinas. Sacudia a crina, vez por outra, para livrar-se dos flocos que se acumulavam. Mesmo a besta já estava impaciente. Sacou da casaca grossa o relógio de bolso. Já chegava a aurora, diziam os ponteiros na linguagem muda dos relógios. O dia, ainda mais calado, não dizia nada, enterrado na neve e névoa.

Longe, um sino soou a badalada lúgubre do aguardo vão. À segunda badalada, a besta resmungou, com que adivinhando o comando para partir. Uma terceira badalada soou enquanto a neve começava a já cobrir os rastros da carroça. À quarta badalada, nada mudou. À quinta, apenas um suspiro quente em forma de nuvem despencou por baixo do bigode penteado. A sexta badalada trouxe o som de algo se quebrando. Frágil, perdido na neve, próximo e irremediavelmente distante.

Quando uma forma finalmente divisou-se tênue, entre os troncos encobertos pela neve, já não havia mais badalos, marcas na neve ou aguardo. Havia apenas o silêncio branco. E um suspiro quente em forma de nuvem pendurado no ar.

5 comentários:

Rodrigo Oliveira disse...

de novo um do duelo. tudo acontecendo ao mesmo tempo, sem tempo pra postar algo novo aqui. tem um começado, mas qdo vou terminar, vai saber! Falando em Duelo, o Duelo de Escritores vai fazer uma Mesa Redonda sobre Literatura e Internet no Teatro Carlos Gomes, dia 2 de agosto às 14h. Sinta-se devidamente convidado.

JLM disse...

ñ quis comentar lá no duelo, mas tb fiquei meio boiando nesse.

viegas disse...

Rodrigo, lembrei-me de um diálogo do filme "Cinema Paradiso", o rapaz que aguardou sob a janela da escolhida os quase 100 dias determinados. Ela chegou tarde, não? Tarde demais, é verdade! Gostei da construção deste.
Abraço,
Viegas

Cris disse...

Rodrigo,
Parabéns (à todos Duelistas) pela iniativa da Mesa Redonda, achei fascinante. Se morasse mais perto já confirmaria minha presença.

bjs

Tati P. disse...

Que bonito.

É você que trabalha na Free com a minha irmã?