Selena vivia no mundo da lua. Selena Selenita, lhe chamavam. Selena orbitava a vida, de saia rodada rodando o mundo. Sem nunca tocá-lo. Caminhava tão leve com as sapatilhas brancas de trama xadrez, que parecia flutuar, evitando macular o solado nesta nossa aspereza. Selena, diziam, não era daqui. Não podia ser. Translava pelo mundo em rotação. Girando, girando, bailando, bailando. Sem deixar pegadas. Selena, selenita, se ria de tudo. Se ria do mundo, se ria de todos. Mesmo se riam de si. E como riam. É doida, diziam os loucos. Desocupada, acusavam os ociosos. Tola, criticavam os parvos. Pobrezinha, se apiedavam os miseráveis. E todos no mundo riam de Selena. Mas ela, selenita, continuava sua órbita de vestido rodado e sapatilhas sem meia, impulsionada pelas molas acastanhadas dos cabelos fragrantes. Na face, o riso fresco doutro mundo. O rubor das bochechas, olhos abertos para ver o mundo a girar. Dentro deles, a íris amarelada de quem porta o sol nas órbitas.
Mas Selena sabia que não podia rodar pra sempre. E sob a lua já minguante na noite fluorescente, cruzou a avenida quase sem perturbar as faixas brancas do asfalto. O semáforo ruborizou. Inveja velada. Os faróis pararam para ver Selena passar. Com as sapatilhas brancas, nas pontas dos pés, e com as molas dos cabelos saltando, Selena Selenita saltita à beira rio. E todos viam Selena girar. Selena Selenita, que orbitava o mundo sem o tocar. Rodopiou pela grama sem espantar o orvalho, vestido enfunado pelo vento que corria no rio. E o povo que caminhava, em malhas justas, fones e marcas, apontava Selena. E riam-se dela que ria-se deles. Ria-se ela do mundo que girava porque ela girava. Porque ela por ele tangenciava. E com ela, ria-se a lua, minguante no leito do rio. E o povo parou quando Selena pisou a água, com aqueles pés que mal pisavam a terra. Na margem, deixou a sapatilha molhada, embalada pela marola, flutuando sem tocar o chão. Selena ninguém mais apontou. Só viam seu riso marcado no meio do rio. Selenita encontrou-se com a lua. Selena Selenita, de tanto girar sozinha, escapou pela tangente. E os miseráveis ficaram sem ter de quem se apiedar. Os tolos já não tinham a quem apontar. Os ociosos ficaram sem ter o que fazer.
Selenita se fora. Os loucos diziam, tinha voltado para casa.
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
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6 comentários:
Muito bonito Rodrigo!!!
Lindo!
Lembra o conto "Singradura" de Flávio José Cardozo,embora saiba que você não leu. PS: Lembra! OK!
Meu favorito!
Fico feliz com o comentário e ainda mais que você tenha gostado do conto. Tenho tb um certo apreço por ele, tanto que se tornou o conto-título do livro. Obrigado pelo comentário!
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