quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Alfa

O Duelo de Escritores acabou de completar um ano. Em comemoração houve uma rodada especial, em que os leitores é que foram os duelistas. O vencedor dessa rodada foi o leitor Jefferson. Como prêmio pela conquista, ele teve o direito de escolher o tema desta rodada. O infeliz escolheu: Revele as técnicas de escrita você usa, mas de uma forma original. Ofensas à parte pelo tema que me deu uma dor de cabeça, aí embaixo vai o resultado. Como o tema pede discussões e diálogos, é bom antecipar que, ao menos para mim, existem algumas (ou várias) técnicas que podem ser usadas. O texto abaixo se refere apenas a uma delas, que vem me... perseguindo... nos últimos textos. Vou parar por aqui antes que fale demais. Taí o texto. E se quiser participar da discussão e da votação, pode tb dar um pulo lá no Duelo de Escritores. O ano II está só começando.


Alfa

Corria com passos largos, quase aos saltos, colina acima. Não ousava olhar por sobre o ombro. Só ouvia o farfalhar veloz na grama às suas costas. O galpão velho e poeirento da ultrapassada oficina tinha a porta aberta. Refúgio débil, não obstante, um refúgio. Cruzou o vão de entrada e arrastou com esforço a porta de madeira pesada. O facho de luz exterior foi minguando junto com a imagem das perseguidoras. Passou o ferrolho, respirou fundo e colocou o ombro de encontro à porta, projetando todo seu peso. Não tardou para sentir o impacto do outro lado. O choque fez a porta tremer, mas ela se manteve firme e imperturbável. Ele, no entanto, não podia dizer o mesmo. Já o tinham atingido de alguma forma, mas não o tinham alcançado. E por hora isso parecia o suficiente.

Podia ouvi-las através das paredes de madeira. Uma luz frágil entrava filtrada pelo teto de vidro sujo. Dentro, em meio a placas de madeira e restos de serragem, serras, martelos e pregos enferrujados sugeriam armas pouco eficazes. Podia praticamente sentir as criaturas contornando a construção, cercando o barracão. Não eram muitas, mas eram implacáveis. Ouvia o roçar incessante contra as paredes, um choque aqui, um golpe mais adiante. E tudo que o mantinha protegido não era mais que uma tênue fronteira de madeira fina.

Um estalido de madeira partida o pôs em movimento. Driblou o ferramental velho a procura de um local melhor protegido. Pôde ouvir a parede se partindo e as invasoras se arrastando para o interior do velho galpão. Ouvia o som correndo pelos corredores de equipamentos ociosos, já podia sentir o cheiro das criaturas se aproximando. Em um canto, dava as costas à parede para evitar um ataque inesperado. Pôde ver surgir os olhos brilhantes, pregados nele e, mesmo sob a luz filtrada pelo telhado, pôde ver as criaturas se aproximando. Tentou esquivar-se da primeira investida, a segunda arranhou-lhe o corpo. Não pôde evitar a terceira. Quando a criatura se afastou ainda podia sentir as marcas deixadas pelas presas. As criaturas se afastaram um pouco, rondando, enquanto ele se prostrava ao chão. Sentia o conteúdo inoculado percorrer-lhe o corpo até o coração. Sentiu quando lhe subiu pelo peito à cabeça. Sentiu-se transformando.

Quando ergueu a cabeça tinha os mesmo olhos brilhantes das criaturas. Tornou-se um pouco como elas. E elas como ele. Quando o bando partiu, ele estava entre elas. Deixou-se levar, selvagem. Correu como um igual. Farfalhando grama, deixando para trás o galpão envelhecido. Quando se ergueu entre elas, era outro. Quando deu por si, elas não mais o perseguiam. Agora, elas o seguiam.

Um comentário:

JLM disse...

Rodrigo

Obrigado pelo incentivo. Tb já tinha ouvido falar do livro, e de outros do Calvino relacionados com técnicas de escrita. Ele está na minha lista (interminável) de próximas leituras.

1 abraço