domingo, 13 de julho de 2008

As formigas do Père-Lachaise

Como prometido lá no Duelo de Escritores, esta é a versão revisada do conto. Pra ver a primeira versão, lá no Duelo, você pode clicar aqui. Mas nem precisa perder mto tempo. As revisões foram as seguintes: na versão revisada, é o garoto argelino quem canta, o que condiz mto mais à história e às metáforas necessárias. Na versão anterior eu tinha feito os turistas cantarem, o que é um disparate sem tamanho que já foi corrigido. Outra mudança, que eu fiquei receoso de fazer, mas optei por seguir em frente foi alterar as últimas palavras. Na versão anterior, o pacote era pago em 24X. Aqui em apenas 12X. Um mudança mínima que não interfere mto na história, que fiz por dois motivos: a) só depois de escrever fui pesquisar pacotes turísticos e vi que a maioria nao passa mesmo das 12X (em geral, no máximo 10). E, a julgar pelos comentários do Duelo, essa passagem parece ter chamado demais a atenção sobre si mesma, pelo número de parcelas, prejudicando o foco do texto, os dialogismos e as metáforas. Assim reduzindo a hipérbole da última sentença, espero redirecionar o foco às figuras de linguagem usadas no corpo da criação, onde o texto é um pouco mais denso (e onde está sua verdade). O porquê dessa enrolação toda antes de mostrar o texto? Achei que seria interessante um vislumbre do modus operandi da criação e, como essas pequenas alterações mudam (ou não, vcs é quem vão dizer) o texto, achei que seria uma boa oportunidade. Agora sim, lá vai o texto. Vamos ver se agora, melhor.

As formigas do Père-Lachaise
A fila caminhava lentamente, como se as câmeras fotográficas pesassem no pescoço de seus portadores. Uma coluna de formigas seguindo algum traço invisível, a caminho do formigueiro. O céu brilhava azul sobre o leste de Paris, imprimindo manchas redondas de reflexos de lentes nas fotografias que seriam reveladas posteriormente. Seguimos o caminho demarcado por correntes grossas que nos levaram até a amurada de pedra, donde, duas estruturas tórreas se elevavam de cada lado do portão. No alto de cada uma, um disco era sustentado por duas tochas cinzeladas na pedra e, no centro deste, pousava esculpida uma ampulheta alada. Fiquei olhando as esculturas na entrada e a fila foi passando sem que eu percebesse. As ampulhetas, imóveis, não deixavam precipitar nem um grão de areia. Ainda que areia fosse tudo o que eram. Compactada, sólida, mas ainda assim areia. Grãos agarrados uns aos outros temendo a queda. E assim, as ampulhetas não se mexiam. Um cantarolar baixinho me tirou os olhos dos muros, e dei por um garoto de pele parda que entoava uma música qualquer em roupas rotas, a certa distância. Devia estar ali há tanto tempo quanto eu, mas só lhe dei conta quando a fila das formigas de bermudas se foi portões a dentro. Com uma mesura lhe cumprimentei de onde estava, ao que ele se aproximou, sorrindo e cantando, e me estendeu uma canequinha de alumínio, só interrompendo a canção para falar alguma coisa com um sotaque do outro lado do mediterrâneo, provavelmente argelino. O meu francês de banco de escola não pôde decifrar perfeitamente o pedido, mas o gesto de quem pede esmola é decifrável em qualquer idioma de um mundo que não se entende. Dentro da caneca, que devia ter sido estendida já a toda aquela fila, tinha apenas um par de moedas. Dei a entender que não tinha dinheiro, o que, obviamente, ele sabia que era mentira. E cruzei apressado por sob as ampulhetas imóveis e as tochas sem brilho, deixando o menino cantando sozinho enquanto eu seguia as formigas.
De longe avistei a longa fila das formigas fotográficas, com o colorido de idiomas e tecidos contornando as ruelas do Pére-Lachaise. Observei-os de longe e me mantive a alguma distância, seguindo solitário até encontrar algumas figuras conhecidas. Cruzei por Wilde e Bergerac. De longe avistei Proust, mas receei me aproximar e apenas continuei meu caminho sem que me notasse. Cruzei com Balzac e me detive por uns momentos com ele, enquanto as formigas multilíngües andavam à minha volta. Não percebi e já estava novamente no meio delas. E naquele formigueiro, eu era mais uma operária. Molière me chamou a atenção e fui a seu encontro. Ao seu lado, La Fontaine lhe fazia companhia. Cumprimentei-os com um inclinar de cabeça, ao que, aos pés de La Fontaine, um movimento diminuto me chamou a atenção. Sobre a pedra, um círculo de formigas se ocupava em desmembrar uma cigarra. Parte a parte, ela era esquartejada e levada para dentro do formigueiro. As formigas se preparavam para o inverno. Quando levantei percebi que estava novamente em meio àquela multidão de máquinas na mão. La Fontaine me olhou com os olhos frios de pedra e uma vertigem ameaçou me derrubar. Livrei-me da multidão e parti correndo de volta ao portão, me afastando de todos. Das pedras, das pessoas, das formigas. Já novamente debaixo das ampulhetas de pedra, procurei o garoto que havia me abordado, mas já ouvia canção nenhuma. Rondei por ali uns cinco minutos mas ele já se fora. Com peso na consciência, fui junto ao muro onde o avistei pela primeira vez, saquei algumas notas da minha carteira e coloquei-as no canto da amurada com uma pedra em cima, para que o vento não as levasse. Segui os caminhos das correntes sem olhar para as tochas sem luz ou para as ampulhetas imóveis, e voltei para o meu hotel quatro estrelas de pacote pago em doze vezes.

2 comentários:

Rodrigo Oliveira disse...

O blog tá complicando a formatação. Me comeu alguns parágrafos e encrencou com algum html q eu não consegui decifrar. Mas agora vai ficar assim mesmo. Cansei de mexer nesse texto.

Anônimo disse...

faz muito mais sentido o menino cantar do que as formigas, digo, os turistas. se perdesse na tua propria metáfora.
jah as 24x... porra ngm merece mesmo, heheeh