Poeta de repartição
A nuvem cinzenta lá em cima
despencava cântaros enquanto
cá embaixo
outra nuvem cinzenta se acumulava
sob o guarda-chuva cheirando a alcatrão
do poeta, que via as gotas escorrendo pelas bordas
e se perguntava quando caralhos
aquilo havia se tornado o ponto alto do seu dia.
O céu cinza
a fumaça cinza
a calçada cinza sob o guarda-chuva escuro.
O único maldito ponto de cor
se equilibrava débil sobre a ponta do cigarro
que acendia vermelho por um segundo
antes de ficar
também
cinza.
E o poeta de repartição
deixou a bituca apagar
na água que corria junto ao meio-fio
rumo ao bueiro
e subiu com os pés molhados as escadas
para carimbar documentos e sonhar
com a poesia de um dia de chuva
em que pudesse colocar no papel
mais que carimbos
ou em que não precisasse arrumar um vício qualquer
para poder sair e ver a chuva cair
no meio da tarde
cinza.
Imagem retirada de: Yog La Vie! |
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