Deixe que eu fale, que esse peito que me deste é por demais pequeno é já lhe falta espaço. Deixe que fale. Ao menos assim, quem sabe, terei certeza da minha própria e duvidosa existência. Sim, eu sei. Eu existo. Ao menos é o que parece. Mas se existo, existo apenas no outro. Ou pelo outro, quem sabe? Existo como uma imagem construída por mim, das imagens que imagino que outros façam de mim. E da imagem que eu, por minha vez, faço destes mesmos outros que pusestes aqui, comparados a mim.
É por meio do outro que existo. Ou que me sei como eu. Se sou magro demais é porque o outro não o é. Se uso barba é porque o outro não a usa. Se me chamas pelo meu nome, é porque não chamas o outro. Se sou eu mesmo é, simplesmente, porque o outro não o é.
Não sou senão no outro.
Sem o outro, talvez eu nem mesmo exista.
Talvez apenas... esteja.
E me peguei a pensar de quando não havia outro. Mas se houve não é verdade. Eu nunca fui sem que outro antes não tivesse sido. Se a serpente se arrasta é porque eu não o faço. Se o leão ruge é, de novo, simplesmente, porque eu não o faço. Se a árvore se ergue majestosa é, sim, mais uma vez, porque eu não o faço. Sempre que fui, foi no outro.
Mas houve um tempo, não? Houve um tempo, antes, bem antes de mim, que não houve outro. Um tempo imemorial em que o outro simplesmente não existia. Tu lembras, não lembra? Só tu poderia lembrar deste tempo de que falo.
Havia apenas um. Recorda. Um e nada mais. Mas não somos senão no outro, não é? Tu naquele tempo, não havia outro. Tu sem o outro... foi por isso, não foi? Não é por isso que estou eu aqui agora, erguido pelo outro, por ti, para ser, justamente, o outro. O teu outro.
Tu que talvez, sem mim, sem o outro, não existia. Estavas, apenas. E nada mais. Um potencial eterno e nulo. Um tudo preso num nada. A potência inexistente sem uma impotência que existisse. Foi por isso, não?
Criastes a outra para que eu existisse de fato. Mas foi só quando criastes a mim que, tu, passou, por tua vez, a existir de fato. Criastes um outro para ti, para que tu pudeste de fato existir.
E se tu existe, não te zangues, é por este outro que o sou.
Sim, certamente. Não te zangues que pode castigar até os rasos limites meus. Mas não te desfaças de mim. Que te desfarias de ti. Sim, me vou. Tomarei a que me destes. Para que eu também exista, distante de ti. Vou-me com ela, se é assim que preferes. Tens, no fundo, razão. Novamente e como sempre tivestes. É preciso que me vá. Porque para que este lugar exista, é preciso, bem sabes, que haja outro. Que aqui é, só o é pelo outro. Como eu, como tu, como este fruto que só está inteiro porque este, vê — nhac — não está mais. Se és completo, é porque não o sou. Se és um, é porque sou dois. E assim há de ser. Vou-me. Há um lugar que tenho de visitar. Qual? Outro.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
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4 comentários:
Postei há pouco lá no Duelo de Escritores. Colocando aqui também para não deixar isto muito tempo parado. Comecei isso com umas reflexões que li num blog (acho que do Paulo Brabo) mas perdi o post então fico devendo o link. Mas era uma parada bíblica de novo :P
Complicado... às vezes fico pensando que existe outro que vive por mim, e é por isso que eu tenho Deja Vu com frequencia.. assim, de alguma forma, eu estou mais perto do outro do que imagina (talvez seja só um milésimo de segundo).
:**
Não sou senão no outro.
Sem o outro, talvez eu nem mesmo exista.
Talvez apenas... esteja.
nuus nunca li algo tão incrivel,ameei muito,
sua idéia me atiçou, não ficou muito bom, mas o texto está fresquinho lá :D
Espero que goste ***:
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