— "Só a arte pode dar vida à verdade."
David Hume
No início, Eru, o Único, que no idioma élfico é chamado de Ilúvatar, gerou de seu pensamento os Ainur; e eles criaram uma Música magnífica diante dele. Nessa música, o mundo teve início (...) e o Fogo Secreto foi enviado para que ardesse no coração do Mundo; e ele se chamou Eä. (Tolkien, 2003, pág. 15)
Para o desenvolvimento de suas obras, Tolkien criou um complexo mundo imaginário e mitológico, com marcantes influências da mitologia nórdica e grega clássica. É
A alegoria criada por Tolkien coloca a arte como instrumento da criação do mundo. E aqueles que o criaram, sob a égide do artista. Como o artista lança mão da arte para criar suas obras — e seus mundos — fica fácil compreender a metáfora que torna a arte como força criadora de um determinado universo.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela. (Colasanti, 2000)
A gênese do próprio mundo é levada a cabo pela arte.
Para Alfredo Bosi, em Reflexões sobre a arte, “A arte é um fazer. A arte é um conjunto de atos pelos quais se muda a forma, se transforma a matéria oferecida pela natureza e pela cultura.” e continua: “A arte é uma produção; logo supõe trabalho. Movimento que arranca o ser do não ser, a forma do amorfo, o ato da potência, o cosmos do caos” (Bosi, 1989, pág.13). E a gênese de um mundo, de um universo, uma cosmogonia, não é mais do que arrancar o cosmos do caos.
Platão estendia o conceito de arte ao artesanato, e a qualquer atividade laboral, igualando o artista ao artesão.
No entanto, acerca do critério hierárquico da classificação romana de arte, Bosi adverte “O pensamento moderno recusa, não raro, o critério hierárquico dessa classificação. O exercício intenso da criação demonstra, ao contrário, que existe uma atração fecunda entre a capacidade de formar e a perícia artesanal.” (Bosi, 1989, pág.14). O artista moderno une técnica e alma.
Sob essa visão mais contemporânea, tanto a criação do mundo em O Silmarilion — pela música — como em A Moça Tecelã — por meio do tear — podem legar essa gênese à arte. Em Amor além da vida, a adaptação para o cinema do romance What Dreams may come, de Richard Matheson, a mesma gênese através da arte é retratada. O protagonista da obra, morto, encontra-se no Paraíso. Esse paraíso é literalmente pintado por ele. Paisagens, construções e vida silvestre são retratadas como uma pintura, feitos de tintas como uma tela. As artes plásticas criam aquele mundo segundo a visão do artista. Tanto na literatura como no cinema, nas artes ou no universo pop, o tema parece recorrente.
Ainda que uma conceituação definitiva sobre o que é ou o que constitui a arte seja frágil, as manifestações artísticas, seja a música, o artesanato, a escultura, a literatura ou a pintura, revelam-se ricas alegorias cosmogônicas. O uso literário da arte como gênese da Criação, talvez seja a forma do artista manifestar-se como um deus. Uma forma de mimetizar a divindade, elevando a arte, através do próprio fazer literário, ao status do sagrado, do divino.
Referências:
TOLKIEN, J.R.R. O Silmarillion. São Paulo. Martins Fontes. 2003.
COLASANTI, Marina. A Moça Tecelã. In: Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento. Rio de Janeiro. Global Editora. 2000.
BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo. Ática. 1989.
www.imbd.com – Acessado em 02/04/2008.
2 comentários:
Um ensaiozinho pra ocupar espaço por hora. Não achei esse mto bom, mas vale a reflexão (ou não). Logo vou postar um outro que acho mais bacana. Do Saramago de novo. Mas isso fica pra outro post.
Rodrigo, muito boa a quebra do teu silêncio. Penso, às vezes, que o que este blog mais necessita é de leitores atentos.
Espero que comentes tua leitura de "De espantalhos..." Por que não começamos um diálogo?
Sempre digo ao Viegas que o objetivo deste blog é criar diálogos que recriem o que é escrito aqui, seja a favor ou contra meus pontos de vista.
Também estou ansioso pelo lançamento do livro, que deve acontecer nas próximas três semanas. Estranho haver entusiastas. A meu ver, trata-se de um livro de poemas. Acho que comecei a me distanciar do conteúdo de Falações justamente para conseguir ouvir o que as pessoas dirão a respeito.
E espero, afinal, que tu sejas um leitor que diga o que percebeu por aquelas páginas. Porque, como disse, te li, e vi que escreves um tanto sobre assuntos vários.
Tomara que esta edição de Falações te faça querer escrever a respeito. É pelo que mais anseio agora.
Grande abraço.
Labes.
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