terça-feira, 21 de dezembro de 2021

blowin' in the wind

 blowin' in the wind

Cruzou pela porta e entrou no apartamento com a cabeça leve, não tanto pelas cervejas, mais pelos momentos. Trancou a porta atrás de si com um certo pesar. Com uma saudade, talvez.  Como quem olha pelo vidro molhado da janela numa tarde de chuva. Deixou tocar uma música que há muito não ouvia, mas que sempre carregava consigo. Abriu a geladeira, já há algum tempo vazia, que soprou-lhe um bafo frio de confirmação. Da estante próxima sacou um Jack London que tanto combinava com a trilha, sem mesmo ter certeza de a que trilha se referia. É difícil ter alguma certeza quando elas são sopradas pelo girar de um catavento.

A lembrança do brinquedo lhe prendeu a atenção. Estava na carroça do mesmo homem de quem já escrevera em uma matéria para o jornal. Achou, na ocasião, que apresentava o velho ao mundo que passava por ele sem o perceber. Recebeu congratulações do editor, tapinhas nas costas, achou que havia encontrado algo.  Ele, que se deteve sobre o velho com uma perspicácia imaginária e costumazmente arrogante, nunca havia lhe reparado o catavento amarelo. Mas ela reparou. Tomou-o pela mão e disse: "olha". Ele olhou, e sentiu, e viu o catavento soprar tanta coisa naquele céu que ela disse ter tanto dela. Pensou dizer algo mas o catavento soprou aquilo também para o céu. O que quer que fosse, ficou lá, pregado no escuro feito estrela sobre o rio.

Sob uma sombra ali perto, o velho sorria despercebido. Vendo seu catavento admirado, achou a cena bonita.